segunda-feira, 23 de novembro de 2009

ASPECTOS TEOLÓGICO-PASTORAIS
PARA AS COMUNIDADES DE FÉ EM NOSSO CONTEXTO
Brown afirma que Hebreus é um enigma, por ser difícil identificar local, destinatários e autor. Assim, a mensagem fica com poucos elementos para análise. No entanto, a comunidade de fé recebe o texto e sua mensagem como texto sagrado e por isso importante para sua caminhada cristã.
No encontro com a Comunidade em Jardim Cruzeiro vimos que os cristãos reunidos não se preocuparam em pensar quem seriam os destinatários da Epistola, pois consideravam eles mesmo destinatários da mensagem. Apesar de perguntarem sobre a autoria de Paulo, não questionaram, nem consideraram problema se for ou não de Paulo, contanto que a inspiração é divina.
As comunidades querem ler a Bíblia e extrair dela lições para sua vida. Por não terem conhecimento de análise exegética nenhuma, interpretam-na de acordo sua existência, seu próprio local como partida, seus problemas e suas necessidades.
No entanto, percebemos que apesar de terem decorado alguns versículos como "o único mediador entre Deus e os homens é Jesus Cristo", e "o corpo é templo do Espírito Santo", as idéias teológicas judaicas das palavras "sacerdote" e "templo" ainda estão presentes no imaginário, no inconsciente coletivo evangélico hoje.
Esse é um dos exemplos que uma leitura desprovida completamente de uma análise pelo menos mais crítica do texto provoca. Porém, a leitura da Bíblia em comunidade, onde todos podem argumentar, questionar, pensar, torna a análise do texto mais coerente e não precisa necessariamente de outras ferramentas exegéticas. Isso é o que faz a Leitura Popular da Bíblia.
No caso da Epístola aos Hebreus, as pessoas podem encontrar nela ânimo para uma vida cristã de obediência a Deus e fé na mudança das situações que trazem dor e sofrimento. Os cristãos também podem encontrar a certeza que Jesus é o caminho da salvação que perdoa os pecados e que lhe dá livre acesso a Deus e à sua graça e misericórdia, alegria e renovo de vida.
Acreditamos que isso é importante nos dias atuais quando encorajam os cristãos a não ficarem dependentes da oração daquele determinado pastor que passa todos os dias naquele canal de televisão, ou para se sentirem livres e não dependentes de "profetas" e suas profecias que dizem com quem devem se casar, se devem ou não abrir o negócio, ou até mesmo se podem ou não fazer uma viagem mais longa...
São realidades do meio evangélico, que mesmo entendendo que o chamado sacerdote hoje não tem a função de meidador, comportam-se como se fosse, e não conseguem chegar-se até o Pai e sentir-se perdoado, aliviado, confiante, ou feliz por ter a graça de Deus.
Outro aspecto teoógico-pastoral mostrado em Hebreus é sobre a obediência a Deus e a exortação a ter fé em sua pessoa. As comunidades que receberam essa epístola, provavelmente estavam sendo perseguidas, ameaçadas, sofrendo injustiças e por isso, possivelmente, estavam desanimadas em prosseguir na fé de Cristo. Mas hoje, o pensamento evangélico de obediência e ter fé, possui uma outra conotação daquela época, e o moralismo impera sobre as interpretações.
Nesse sentido, se não tiverem uma mediação nas discussões que questione os padrões e os conceitos que damos e nomeamos como certo, temos a grande chance de cair na mesmice das interpretações e não conseguirmos ter uma leitura libertadora dos aspectos teológicos demosntrados no texto.
Cremos que o problema de recepção do texto é a sua interpretação individualizada que pretende reproduzir os sistemas e as falas institucionais que julgam, oprimem e agem com injustiça. Os aspectos teológico-pastorais do texto de Hebreus contribuem para desconstruir muitas falas normativas e o pensamento judaico muito presente no pensamento evangélico dos nossos dias.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

EXPERIÊNCIA COM UMA COMUNIDADE DE FÉ
CONGREGAÇÃO DA IGREJA BATISTA DE SOBRADINHO NO JARDIM CRUZEIRO



Estivemos com a comunidade no dia 22 de novembro de 2009 e na oportunidade, conversamos com os irmãos sobre a mensagem da Epítola aos Hebreus. Perguntas como o que mais chama a atenção dos irmãos na epístola, qual o versículo que eles mais gostam, que trecho eles gostariam de comentar.

Assim, a partir dos temas e problemas que iam surgindo, direcionamos a conversa para que eles pudessem se colocar diante do texto e livremente interpretar de acordo com o que já estudaram e ouviram e de acordo com suas realidades.

Alguns dos temas surgidos foi a supremacia de Cristo, a autoria da epístola, a negação da Antiga Aliança diante da Nova a partir de Jesus Cristo e a obediência e a fé como primordial para seguirem no caminho com Cristo e serem dignos da salvação.

Além desses, problematizamos quanto a linguagem judaica (templo, tabernáculo, sacerdote, ...) e as questões que envolvem o seu uso nos dias de hoje. Muitos têm a concepção judaica desses elementos, o que foi desconstruído, lembrando que nisso é que a Nova Aliança é superior e diferente da Antiga. Mas o Antigo Testamento ainda é fonte de testemunho e esperança para os cristãos de todos os tempos.

O questionário foi passado antes da nossa visita e pedido para ser respondido em casa. Mas infelizmente, não obtivemos retorno de nenhum.

Questionário:

1. Você já leu a epístola aos Hebreus?

2. Qual o tema que mais lhe chama a atenção na epístola?

3. Qual oersículo que vocÊ mais gosta?

4. Em que a epístola aos Hebreus pode lhe ajudar na vida cristã?

5. Escolha um trecho da epístola e comente sobre a mensagem e como ela pode ser aplicada à sua vida.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009


INTRODUÇÃO


A Epístola aos Hebreus é considerada por Brown como uma das obras mais notáveis do NT por ser “conscientemente retórica, cuidadosamente elaborada, habilmente redigida em grego primoroso e apaixonadamente entusiasta de Cristo”[1]. No entanto, para os biblistas, Hebreus é um enigma, pois nada relata sobre a autoria, o local de origem, as circunstâncias que envolvem a redação da carta, e até os destinatários, que aparentemente está claro no próprio título, não deve ser considerado cegamente.



Mesmo não havendo nenhum indício da autoria de Paulo, como nas Cartas Pastorais, Kümmel[2] afirma que o fato desta Epístola levar o nome de seus supostos destinatários no título, como é um costume da literatura paulina, foi então atribuída a Paulo a autoria da epístola, e por esta razão a Epístola aos Hebreus foi incluída no cânon. Porém, hoje não restam dúvidas que Hebreus não é uma obra paulina.



O conteúdo da mensagem de Hebreus está centralizado em uma herança cultural judaica e que agora relê essa cultura à luz do evento Jesus Cristo para confrontar com os problemas que as primeiras comunidades cristãs estavam vivendo. Isso fez com que o corpo de colaboradores da Revista Estudos Bíblicos, na voz de Uwe Wegner que fez o Editorial da edição sobre Hebreus acreditasse que um estudo nessa Epístola “carece de uma releitura que dê relevância ao seu conteúdo para a discussão de temas atuais”.[3] Assim, enfrentamos alguns distanciamentos e conseqüentes problemas na atualização da mensagem de Hebreus, o que abordaremos mais adiante.

POR QUEM, DE ONDE E QUANDO


Por quem foi escrita? Muitos se referem a epístola aos hebreus como pseudônima, ou seja, anônima. Raymond Brow relata que: a partir do século II, muitos estudiosos, levando em consideração a tradição Alexandrina, o Beatty Papyrus II, os textos mais antigos e preservados das cartas paulinas, atribuíam a autoria da epístola aos Hebreus a Paulo. Por volta do final do século IV, e início do século V, tanto em Roma quanto em Alexandria, a epístola aos Hebreus era contada entre as catorze cartas paulinas. Às vezes situadas antes das cartas pessoas de Paulinas de: I e II Timóteo, Tito e Filemon. Porém com mais freqüência no final da coleção. Na igreja ocidental a aceitação de Hebreus como obra de Paulo foi mais lenta.


São vários os argumentos contra a autoria de Paulo. Que vai desde os elementos literários apresentado por Paulo nos outros escritos, bem como na escrita de um grego mais rebuscado, não característico de Paulo. Orígenes, um dos intelectuais mais letrado da era patrística, contentou-se em deixar a autoria de Hebreus ao anonimato, cogitando que o verdadeiro autor teria sido um secretário de Paulo. Porém chegou a conclusão que só Deus sabe o verdadeiro autor de Hebreus.


Tertuliano acreditava ter sido Barnabé o autor, por conter elementos comuns entre a epístola de Barnabé com a epístola aos Hebreus.


Outros nomes foram cogitados como possíveis autores: Lucas, clemente de Roma. Lutero atribuiu a autoria a Apolo devido aos atributos apresentados sobre ele no livro dos Atos dos Apóstolos 18.24. Outros nomes ainda foram cogitados como o de Áquila e Priscila, Silas e Filipe.


Raymond Brow, sobre a autoria diz que: Devemos satisfazer-nos com a ironia de que o orador mais sofisticado e mais elegante teólogo do NT é um desconhecido. Para guardar a própria descrição de melquisedec (Hb 7.3) o escritor de Hebreus permanece sem pai e sem mãe.


Quanto ao lugar de origem, o que temos é mera suposições. Uns dizem ser de Alexandria, pouco provável, segundo Raymond Brow. Se fizermos algumas considerações, e levar em consideração a liturgia e o serviço sacerdotal judaico, Jerusalém ou alguma região da Palestina, serão fortes candidatas. Entretanto Raymond Brow. Considera que o lugar de origem é tão imaginário quanto a sua autoria.


Com relação à datação, é tão improvável quanto a sua autoria e o local de origem. Alguns estudiosos estabelecem uma data entre os anos 60 dC a 90 Dc. A questão é se foi antes da destruição do Templo de Jerusalém (70 dC) ou depois.


A quem foi endereçada, é outro quebra cabeça. Partindo do pressuposto que o titulo “aos Hebreus” não seria o original, Roma seria a mais cogitada como endereço. Isso devido a vários acontecimentos e conflitos sofridos pelas comunidades romanas.


O autor Raymond Brow, deteve-se a identificar com mais precisão a questão dos destinatários, em virtude de ser mais importante do que a data e o local. Se foi escrita para Roma, destinada a uma geração posterior aquelas que receberam romanos e imediatamente anterior a geração refletida em I Clemente, temos uma insinuação das constantes pelejas de uma comunidade cristã que demonstrou ser a mais importante comunidade para o cristianismo.


DESTINATÁRIOS


Segundo Raymond Brown[4] quer por meio da educação judaica, quer da evangelização cristã, os destinatários valorizavam a riqueza religiosa do judaísmo.



O que emerge de uma análise da carta a respeito da história dos destinatários é muito vago. A maior atenção, porém, tem sido dedicada a Jerusalém e a Roma. A hipótese da região de Jerusalém está ligada a pressuposição de que os destinatários eram judeu-cristãos que se sentiam constantemente tentados a voltar à religião ancestral.



De acordo com essa teoria, um cristão na Itália, escreveu a esses judeu-cristãos que viviam na Palestina ou em Jerusalém para incentivá-los a não abandonar Cristo, pois inclui saudações daqueles da Itália. É perfeitamente possível que uma comunidade mista de cristãos fosse a destinatária.
A teoria a qual Hebreus foi endereçada à comunidade cristã na região de Roma, é a mais recente proposta pela vez, ao que parece em 1750. Alguns pontos favorecem essa idéia.
Em Atos 18:2 demonstra que havia judeu-cristãos entre os judeus expulsos de Roma por Cláudio (por volta de 49 d.C.). Assim não importa de que lugar Hebreus tenha sido enviada para Roma, pode ter havido cristãos da Itália para retribuir as saudações.



É bastante plausível se Hebreus tivesse sido destinada a Roma, nos anos 80, pois os cristãos romanos foram violentamente perseguidos por Nero em 64/68, quando Pedro e Paulo ali morreram. O desafio é lançado aos destinatários. “Vós ainda não resististes até o sangue em vosso combate contra o pecado”, Hebreus 12:4, pode sugerir uma data anterior aos anos 90.



Um argumento importante para a destinação romana é que Hebreus foi conhecida em Roma mais cedo do que em qualquer outro lugar.



Independentemente de quem são esses destinatários, a situação dessas comunidades pode ser percebida a partir da mensagem da obra. Hoefelmann[5] afirma tratar-se de comunidades de segunda geração, que estão se distanciando do evento original Jesus Cristo, tanto geográfico como temporalmente. Possivelmente são comunidades que iniciaram a caminhada na fé com entusiasmo, mas que agora, com as perseguições e sofrimentos vivenciados estão dominadas pelo desânimo, indiferença e estagnação, deixando-se levar por situações que ameaçam a vida e a missão dessas comunidades, como revolta contra Deus, incredulidade, desobediência, entre outros.



GÊNERO LITERÁRIO E ESTRUTURA



Dana, H. E. apud Brown, diz que Hebreus começa como um tratado, continua como um sermão e termina como uma epístola. Brown já acredita que há problemas em atribuir qualquer desses gêneros. Apesar de sua cuidadosa exposição sobre a superioridade de Cristo, não pode ser simplesmente um tratado teológico, o autor expõe sua doutrina com o objetivo de advertir os destinatários contra o abandono da fé em Cristo em favor dos valores idealizados do culto judaico. Cullmann[6] e Brown[7] concordam que Hebreus é uma exposição doutrinal ou uma prédica, que a obra se autodenomina “palavra de exortação”, e que existem expressões da retórica aristotélica. Ainda que, diferentemente das epístolas paulinas, as exortações não aparecem somente no fim, por motivo das conclusões gerais, mas concluem cada uma das partes expostas. Hebreus é um discurso que celebra a importância de Cristo. Quanto a ser uma carta, apenas o capitulo 13 tem o formato de uma carta conforme as características próprias das cartas paulinas. Brown sugere que nos contentemos com a definição relativamente simples de Hebreus como um sermão ou homilia com final epistolar.



A análise estrutural de Hebreus, proposta por Vanhoye[8] tem tido ampla influência. Ele considera a epístola aos Hebreus uma obra artisticamente planejada, com acurada estrutura. Este autor ainda detecta uma elaborada composição concêntrica, que consiste em uma introdução e em uma conclusão, rodeando cinco seções dispostas em forma de quiasma. Sendo a introdução falando sobre escatologia assim como a conclusão, a segunda parte se relaciona com a quarta que trata sobre eclesiologia e no meio o tema central sobre o sacrifício.



I. 1,5 – 2,18: o nome superior aos anjos (escatologia)
II. 3,1 – 5,10: Jesus fiel e compassivo (eclesiologia)
III. 5,11 – 10,39: exposição central (sacrifício)
IV. 11,1 – 12,13: fé e paciência (parênese eclesiológica)
V. 12,14 – 13,19: o fruto pacífico da justiça (escatologia)




ANÁLISE GERAL DA MENSAGEM


Brown destaca que na introdução da mensagem o autor afirma imediatamente a superioridade de Cristo. O contraste principal é entre duas revelações divinas: uma por intermédio dos profetas, e outra, por um filho preexistente, por intermédio do qual Deus criou o mundo e agora nos fala.



O texto mostra que o escritor interpreta o Cristo tendo a imagem da Sabedoria divina do AT como base. Assim como a sabedoria é a emanação da gloria de Deus, o Filho de Deus é o reflexo da glória de Deus e expressão do ser de Deus, o sustentador do universo. O Filho ultrapassou o modelo da sabedoria, tornou-se uma pessoa real, responsável pela purificação dos pecados.



Kümmel chama a atenção para o fato de Hebreus iniciar sem nenhuma introdução epistolar, e de ser seguida de um trecho exortativo que não parece no fim da epístola, como acontece com a maioria das epístolas paulinas;



Para Kümmel o autor de Hebreus utiliza uma estrutura baseada em idéias cristológicas. Para ele Hebreus foi escrita de acordo com o esquema das exortações gregas com um prólogo, duas exortações sobre Jesus como Sumo Sacerdote e um epílogo.



Brown e Kümmel organizam o conteúdo da mensagem de forma bem parecida, a diferença é que Brown destaca uma seção a mais que Kümmel.

(Brown e Kümmel) 1,4 – 4,13: Superioridade de Jesus como Filho de Deus;
1,4 – 2,18: em relação aos anjos
3,1 – 4,13: em relação a Moisés

(Brown e Kümmel) 4,14 – 7,28: Superioridade do Sacerdócio de Jesus Cristo;
Já não há a necessidade de numerosos sacerdotes que são substituídos após a morte, pois Jesus permanece para sempre. Em Jesus o sacrifício foi feito para todo sempre;

(Brown ) 8,1 – 10,18: Superioridade do sacrifício de Jesus, inaugurando a nova aliança;
Brown destaca a comparação que o autor de hebreus faz entre a morte de Jesus e o ritual do dia da expiação;
O sacerdote entrava uma vez por ano no santo dos santos. Jesus entrou de uma vez para sempre e com seu sangue estabeleceu a nova aliança;

(Brown e Kümmel) 10,19 – 12,29: Fé e paciência: utilidade da obra sacerdotal de Jesus

(Brown) 13,1 – 19: Exortação final

(Brown) 13,20 – 25: Conclusão



TEMAS E PROBLEMAS PARA REFLEXÃO



Brown[9] cita alguns temas encontrados na Epístola aos Hebreus, que podem ser problemáticos para os nossos dias se considerarmos uma única possibilidade de leitura. Alguns dos temas são:


1. O sacerdócio (alto) de Jesus Cristo
Problema: Jesus foi um homem que se afastou o tempo todo do sacerdócio judaico, não foi nem mesmo confundido com um deles. Pelo contrário, as características típicas de profeta lhe eram enfáticas e claras para que o autor de Hebreus o intitulasse como Sumo Sacerdote.
Discussão: Essa comparação que também pode ser encontrada em alguns outros lugares na Bíblia, pode se dever ao fato de sua morte como um sacrifício expiatório auto-oferecido.

2. O uso da linguagem litúrgica judaica
Problema: O uso da linguagem litúrgica judaica influenciou no uso da linguagem dos cristãos posteriores.
Discussão: O fato de Hebreus usar terminologias como “tabernáculo”, “templo”, “sacerdócio”, “sacrifícios”, “festas”, faz com que a idéia desses termos sejam transferidos para o cristianismo sem a devida releitura teológica. Exs.: Tabernáculo e templo significavam a presença de Javé e faz referência às casas de reunião cristãs, e às igrejas (hoje), o que não representa para os cristãos a presença de Deus, mas Deus habita na pessoa, não na igreja. O sacerdote tinha o papel de intermediar o povo a Deus. Infelizmente, atualmente ainda se tem a imagem do líder da comunidade como aquele que está mais perto de Deus, que tem mais “autoridade espiritual” para falar em nome de Deus, e que por ele ser um “ungido do Senhor”, não se deve discutir ou contrariar sua vontade e seus desígnios, afinal ele conhece melhor do que os fiéis a direção para a comunidade e para a vida das pessoas, fazendo o papel de intermediário. A idéia de que a salvação vem através do sacrifício ainda é presente, apesar do sacrifício vicário de Cristo ter um grande peso e valor na vida prática da comunidade cristã. No entanto, idéias como jejum, muitas horas de oração e leitura da Bíblia, renúncia de desejos de diversas ordens ainda são tidos como práticas necessários para o caminho da salvação através de uma vida mais santa diante de Deus.

3. A eucaristia
Problema: A ausência de menção sobre a eucaristia na Epístola aos Hebreus.
Discussão: Pode ser que o autor não tivesse conhecimento desse ritual ou que essa comunidade fazia parte daquelas que rejeitavam o ritual eucarístico por afirmarem o rito é uma continuidade a um ato sacrifical único e não contínuo.

4. Antiga Aliança de Deus com Moisés e a Nova e Eterna Aliança através de Jesus Cristo
Problema: a Antiga Aliança de Deus com Moisés parece ter ficado obsoleta diante da Nova e Eterna Aliança através de Jesus Cristo.
Discussão: Alguns autores já se referem ao Antigo e Novo Testamento da Bíblia como Primeiro e Segundo respectivamente, pelo mesmo princípio do problema citado: Não querendo desqualificar um em detrimento do outro. No entanto, a epístola faz alusões à Nova Aliança como superior à Antiga de tal forma que isso pode ser questionado.

5. Templo X Tabernáculo
Problema: Em muitos momentos, o autor prefere fazer analogias com o termo “tabernáculo” do que com “templo”.
Discussão: Apesar do tabernáculo não estar mais entre o povo, a referência a ele ao invés do templo, denota presença e direção de Javé para o povo em meio a sua caminhada na história e na vida. Denota movimento, abrigo, companhia, o povo em marcha. E tudo isso com a presença constante do Deus que caminha na história com o povo.




CRISTO E O MATERIALISMO HISTÓRICO



Além dos problemas vistos acima, podemos ainda citar outro: A alienação aparente da epístola aos Hebreus direcionando a esperança apenas para a eternidade com Cristo nas regiões celestiais. Acerca disso, Dobberahn[10] reflete a epístola aos hebreus não como “ópio do povo” apenas, mas como um evangelho “militante” e comprometido com a materialidade da história da salvação.



Diante de um contexto de perseguições (Hb 10.32), o que provavelmente, tenha sido no período entre 81-96 d.C., do imperador Domiciano, era comum religiões de mistério, práticas ocultas, superstições, magias, etc. Uma forma de escapismo, de transposição da dura realidade para uma região “celeste”, “superior” a fim de encontrar minutos de felicidade e de salvação para a alma, enquanto o corpo estava entregue à exploração.



Segundo Dobberahn, o autor da epístola aos Hebreus usou a forma de sermão, homilia para se comunicar com as comunidades que estavam influenciadas por essas práticas religiosas a fim de ter melhor comunicação com estas. Também usou as terminologias que as comunidades estavam acostumadas a ouvir e reproduzir dentro dessa esfera de prática religiosa. Mas, apesar disso, a epístola aos hebreus mostrou que a salvação está no futuro, a partir de um caminho que já foi construído historicamente, logo, esse futuro, essa utopia, esse céu será concretizado também historicamente, e não um no presente a partir do traslado do momento presente para uma região a-histórica por alguns instantes apenas.



Assim como a encarnação de Jesus é histórica, a história da salvação também o é, logo, o caminho para o processo de salvação não poderia fugir de sua historicidade e da temporalidade. O senso de responsabilidade pela luta desse caminho é também enfatizado pela epístola. Até mesmo a memorável lembrança da história de fé de Israel, são vínculos históricos que tendem a fortificar que o plano de salvação se faz na história pelo povo de Deus que trabalha e luta por ver o Reino de Deus entre os homens.



Com certeza, essa é uma leitura a partir da Teologia da Libertação e que pretende ser uma leitura possível para a epístola aos Hebreus, e não a única. Levando em consideração que as religiões epifânicas, não possuem apenas a alienação como característica, queremos lembrar que atualmente temos muitos estudos sobre o pentecostalismo e suas práticas ocultas que mostram a força e a vitalidade que o sentimento de “escolhido por Deus” e de “intimidade com o Sagrado” a partir das experiências extáticas podem gerar nos fiéis, capacitando-os para enfrentarem as injustiças e as explorações de seu cotidiano de diversas formas.




___________________________
[1] BROWN, Raymond Edward. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas. 2004. p.891.
[2] KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1982.
[3] ESTUDOS BÍBLICOS. Hebreus: Guardar a esperança até o fim. n.34. Petrópolis: Vozes & São Leopoldo: Sinodal. 1992. p.7
[4] BROWN, op cit. 2004. p.908
[5] HOEFELMANN, Verner. Alento para os cansados e atemorizados. IN: Estudos Bíblicos. Hebreus: Guardar a esperança até o fim. n.34. Petrópolis: Vozes & São Leopoldo: Sinodal. 1992. p.10
[6] CULLMANN, Oscar. A Formação do Novo Testamento. 10ª edição. São Leopoldo:Sinodal. 2007. p.66.
[7] BROWN, op cit. 2004. p.899.
[8] VANHOYE, Albert. A Mensagem da Epístola aos Hebreus. São Paulo: Paulinas, 1983.
[9] BROWN, op cit.2004. p.913-916.
[10] DOBBERAHN, Friederich E. Cristo e o materialismo histórico. IN: Estudos Bíblicos. Hebreus: Guardar a esperança até o fim. n.34. Petrópolis: Vozes & São Leopoldo: Sinodal. 1992. p.15